Nem todo princípio ativo pode ganhar a forma mais atrativa, diz farmacêutico
Quando precisava dar um comprimido para Nathan, 4, a farmacêutica Andréa Kamizaki Lima, 35, vivia praticamente uma batalha. Era comum seu filho rejeitar o gosto desagradável do medicamento ou não conseguir engolir o remédio inteiro. Mas a situação mudou quando ela descobriu balinhas de goma com a finalidade farmacêutica.
Sob orientação de um nutricionista, Andréa procurou uma farmácia de manipulação em que confiava e pediu para manipular as vitaminas para o filho na forma atrativa. Assim, a balinha virou uma maneira mais divertida de evitar a carência de nutrientes de Nathan. "Ele tem a alimentação muito ruim e teve problema intestinal. Foi operado muito novinho. Tinha que obrigá-lo a tomar o medicamento", diz.
Os farmacêuticos são especialistas em combinar o princípio ativo de medicações com ingredientes (excipientes, na linguagem técnica) e, assim, podem transformá-los em pirulito, picolé, bombom e outras guloseimas.
A grande vantagem do medicamento manipulado é a possibilidade de se fazer a dosagem conforme a necessidade de cada paciente, explica a farmacêutica Astrid Chucre, presidente da Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) - Regional Minas Gerais. "É tudo mediante prescrição médica. Faço até anticonvulsivo para crianças (em formato de xarope com sabor gostoso). A farmácia de manipulação serve para fazer algo diferenciado da indústria. É uma alternativa para atender o paciente", conta.
Possibilidade. Mas nem todo princípio ativo pode ganhar formato de guloseima, explica o farmacêutico André Augusto Gomes Faraco, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Normalmente, esses medicamentos não são para problemas sérios de saúde. "Não requerem tanta técnica envolvida na manipulação", explica.
Em alguns casos, é possível trocar comprimidos por xaropes com sabores variados, que têm paladar agradável e são mais fáceis de engolir. "Assim o tratamento tem adesão e eficácia", afirma o vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais, Claudiney Luís Ferreira. Ele alerta, porém, que é preciso ter cuidado com o gosto bom e evitar a automedicação.
Risco. Os medicamentos em forma tradicional são mais seguros para se evitar a intoxicação, diz o pediatra Leonardo Falci Mourão, professor da Faculdade de Medicina do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) e presidente do Comitê Científico de Cuidados Primários da Sociedade Mineira de Pediatria.
"A aspirina infantil é muito atraente, e a criança a toma como bala. Mas transformar o medicamento em forma muito atraente pode ser perigoso. Tem uma fase da vida em que ela tem muita curiosidade, coloca muito coisas na boca", afirma, orientando que qualquer tipo de remédio deve ser mantido fora do alcance das crianças.
Na hora de medicar os pequenos, a orientação é conversar até mesmo com os mais novos. "Nunca se deve ministrar medicamento de forma forçada. Colocar o remédio na boca dela e fechar o nariz e a boca dá sensação de afogamento. Isso traumatiza", afirma.
Alerta
Medicamento atrativo traz maior risco de intoxicação
A medicação em forma de guloseimas nem sempre é eficaz. O alerta é feito pelo farmacêutico André Augusto Gomes Faraco, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ele, não se pode garantir, por exemplo, que uma criança chupe um pirulito inteiro para anestesiar a boca e a garganta na hora de fazer um exame.
"Se o princípio ativo reage com algum tipo de excipiente, já era. Se o princípio ativo não é resistente ao processo (aquecimento, por exemplo), também já era", ressalta, lembrando que matérias-primas como o chocolate têm mais de uma substância na composição, aumentando o risco de incompatibilidade farmacêutica.
"Por isso, opta-se pelos oficiais, que se consegue controlar", fala. Segundo ele, se o farmacêutico tiver dúvidas sobre a prescrição, ele tem o dever de procurar o médico. "O farmacêutico pode lançar mão disso, se houver prescrição e se ele se sentir capaz de fazer. Mas ele tem que estudar a formulação antes. Se der errado, será processado pelo erro".
Faraco lembra ainda que as apresentações de pirulito e outras são uma analogia às guloseimas. "Os excipientes não são os mesmos do pirulito normal. Têm pureza maior. Não é o açúcar que você compra no supermercado", explica. (AJ)
Muitas pílulas
Idosos também podem ter benefícios
Para tratar da artrose, a aposentada Vera Maria da Cunha Rocha, 75, recebeu a recomendação médica de tomar um pó solúvel em água há cerca de dois anos. Ela está satisfeita com os resultados. "A médica falou que é mais fácil tomar em pó, pois pode tomar um sachê por dia. Em comprimido, teria que tomar uns três diariamente", diz.
Segundo a médica geriatra Karla Giacomin, presidente do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso e membro da Sociedade Brasil de Geriatria e Gerontologia, os sachês em solução rápida são usados até mesmo para tratamento da doença de Parkinson.
"Temos que tentar viabilizar que a pessoas tenha adesão ao tratamento de forma confortável e segura", ressalta Karla Giacomin.
A médica conta que indica para os pacientes formas alternativas e que, algumas vezes, o próprio paciente pergunta se há a possibilidade da manipulação. "É uma prática que deve acontecer, mas com todo o rigor e cautela", fala. (AJ)
Mais informações: http://goo.gl/hdN63
Fonte: O Tempo